quarta-feira, 28 de março de 2012

O EXEMPLO DE UM VELHO SOLDADO



    
Conta-nos o Pe. Antônio Vieira (Sermão XIX) o caso do sacerdote jesuíta Pe. Hermano Spruit, o qual, após atender em confissão um velho soldado enfermo e incurável, aconselhou-o a rezar o Rosário.

_ Rosário? O que é o Rosário? Indagou o velho militar.

O confessor explicou caridosamente do que se tratava. O soldado, ouvindo aquilo, ficou muito afeiçoado ao Rosário e, com a voz debilitada pela doença, disse ao sacerdote que, se tivesse conhecido essa devoção quando menino, não teria deixado passar um dia sequer de sua longa existência sem rezar os três Terços. E prometeu rezar, daquele dia em diante, quantos Rosários lhe fosse possível enquanto durasse sua vida. E mais: pediu a Nossa Senhora lhe conceder um pouco mais de tempo de vida para, no espaço de dois anos, rezar todos os Rosários que completassem o número equivalente ao que lhe teria recitado, se desde menino tivesse rezado diariamente os três terços.

Calculou então quantos dias correspondiam à sua idade de 60 anos: 21.900 dias. Calculou depois quantos Rosários teria de rezar por dia para atingir este numero em dois anos: 30 Rosários diários!

Com sua têmpera militar e apesar de enfermo, ele não se assustou com esse alto número. E iniciou sem demora com o cumprimento da promessa de recitar em 2 anos os 21.900 Rosários, ou seja, 65.700 Terços!

Completada a conta, chegou também ao término o tempo de sua existência terrena, indo ele receber o prêmio da glória eterna no Céu, junto à Senhora do Rosário e ao seu Divino Filho, deixando os conhecidos comovidos com seu exemplo.

É um exemplo também para todos nós, que podemos desde já não deixar passar nem um dia sequer sem recitar o Rosário, ou pelo menos um Terço.

Que tal acertarmos também as nossas contas? Não é melhor fazê-las já, antes de prestar contas a Deus? Quanto tempo perdemos deixando de rezar o Rosário?

A partir do momento presente, façamos o propósito de recitar pelo menos um Terço todos os dias. Que são 15 minutos? Não gastamos por demais nosso tempo conosco?

Empreguemos esses poucos minutos por dia para louvarmos Deus Nosso Senhor e sua Santíssima Mãe. Se assim o fizermos, seremos abundantemente recompensados.

Tirado do livro ‘O poder admirável do Santo Rosário’, pág.45-47, da Liga do Santo Rosário

sexta-feira, 2 de março de 2012

O SACERDOTE QUE DUVIDAVA


Era uma vez um sacerdote. Mas esse sacerdote duvidava: duvidava de que Cristo fosse o Filho de Deus, duvidava da sua Ressurreição, duvidava de que estivesse realmente presente na Eucaristia, duvidava de que a ele, sacerdote, pudesse ser conferido o poder de transformar pelas palavras da consagração o pão e o vinho no corpo e no Sangue de Cristo. Duvidava até da existência de Deus. Essa dúvida era para ele um tormento contínuo. Às vezes, invadia-o por inteiro, e a sua vida parecia-lhe um sem-sentido e o seu ministério, uma mentira. Outras vezes, abrandava um pouco, deixando-lhe o terrível remorso de ter consentido.
Ele sabia, é certo, que não era nem o primeiro nem o único a ter dúvidas. Lembrava-se de que um Mestre em teologia tinha ido, certo dia, confiar as suas ao bispo de Paris. O santo rei Luís de França contara essa história ao senescal da Champagne, o senhor de Joinville, que a tinha posto por escrito no seu livro. O bispo Guillaume, depois de se ter certificado de que o Mestre em teologia lutava com todas as suas forças contra essas dúvidas e que não desejava por nada neste mundo abandonar-se a elas, tinha-lhe dito:
-Sabeis muito bem, Mestre, que o rei da França está em guerra com o rei da Inglaterra, e que a praça forte mais exposta e mais próxima da frente de batalha é o castelo de La Rochelle, no Poitou. Se o rei vos tivesse confiado a guarda de La Rochelle e a mim a do castelo de Montlhéry, bem em paz no coração da França, a qual de nós dois, no fim da guerra, deveria ele mais reconhecimento por ter guardado o seu castelo?
- A mim, que teria defendido La Rochelle.
-Pois Deus-concluiu o bispo- agradece-vos muito mais que lhe permaneçais fiel do que a mim, que fui poupado a toda dúvida. O vosso coração é La Rochelle, e o meu Montlhéry.
O sacerdote pensava com frequência nesse exemplo, mas não lhe dava muito consolo.Também ele lutava contra a dúvida, também ele não teria, por nada neste mundo, cedido à incredulidade. Mas podia submergir a qualquer momento. Podia perder La Rochelle. E que reconhecimento esperar, para que continuar a lutar, se já não cria na existência do “rei da França”?
O seu maior sofrimento era ter de celebrar a Santa Missa todos os dias. Sentia-se indigno. Sabia que quem come a carne de Cristo e bebe o seu sangue indignamente come e bebe a sua própria condenação  (cfr. 1 Cor 11, 27). E ele, que consagrava o pão e o vinho, que confeccionava o Corpo e o Sangue de Cristo antes de comê-lo e de bebê-lo, antes de distribuí-lo aos seus irmãos, em que condenação não incorria!
E se a dúvida fosse fundada? Para que então essa mascarada, essa palhaçada, dia após dia? Nesse caso, indigno não seria o sacerdote nele, mas o homem, que se enganava a si mesmo e enganava os outros, que pregava aquilo que sabia ser falso, que prometia uma salvação ilusória, que consentia em viver cercado do respeito que se prestava a um estado que ele mesmo já não respeitava.
Certa manhã, como na véspera, e na antevéspera, e no dia anterior, como todas as manhãs, subia angustiado os degraus do altar. As únicas palavras de toda a Missa que lhe saíam do fundo do coração, as únicas que podia pronunciar sem mentir- assim lhe parecia-, acabava de dizê-las; eram os versículos do salmo que o oficiante recita antes de subir ao altar, para se preparar para o ofício divino:
- Quare me repulisti, et quare tristes incedo... “ Por que me rejeitaste, meu Deus, e por que ando triste sob a opressão do inimigo...? Por que está tristes, ó minha alma? E por que me inquietas?”
Mas parecia-lhe estar mentindo já o final dessas orações : “Subirei ao altar de Deus, do Deus que alegra a minha juventude”.E, ao traçar sobre si mesmo o sinal da cruz, não cria naquilo que o ajudante proclamava: “A nossa salvação está no nome do Senhor...”. ¹
Naquele dia, à medida que a Missa avançava, mais se convencia a cada instante de que jánãpo era habitado pela dúvida, mas pela certeza de não crer mais. No entanto, essa certeza não lhe trazia paz alguma, antes o dilacerava, fazendo-o sofrer como por um amor traído. Agora, tinha de pronunciar as vãs palavras da consagração sobre esse pão e esse vinho, que depois disso- tinha a certeza- continuariam a ser pão e vinho, e nada mais:
-Accipite et manducate ex eo omnes: hoc est enim corpus meum, “tomai e comei todos vós, este é o meu corpo”.
E elevou a hóstia para apresenta-la à adoração dos fiéis, fixando os olhos com angústia nesse círculo de farinha branca e dura.
Soaram os três toques da sineta, seguidos do seu repique. Os assistentes baixaram a cabeça. Como prevê a liturgia, adorou a hóstia com uma genuflexão e preparava para depô-la na patena e tomar o cálice, quando percebeu de repente que ela sangrava. Sangrava de verdade. Era sangue o que corria sobre a toalha do altar, havia sangue nos seus dedos, sentia-os úmidos. Subiram-lhe lágrimas aos olhos, a voz se lhe embargava. No entanto, conseguiu de alguma forma chegar até o fim da missa, sustentado por essa Presença mais certa do que a de todos os objetos que o cercavam.
Como fizera outrora o mestre parisiense, foi falar com o bispo. Confessou-lhe tudo. A hóstia que sangrava tinha o libertado da sua dúvida, mas apenas para mergulhá-lo numa angústia ainda maior por causa do seu pecado. Esse sinal do Céu marcava a sua condenação, abatia a imprudência sacrílega do sacerdote que tinha profanado em pensamento o Corpo do Senhor, que tinha ousado consagrar as espécies sacramentais e ajoelhar-se diante da hóstia sem reconhecer nela mais do que um pedaço de pão.
O bispo reconfortou-o. O Senhor desejava tanto a sua salvação que chegara ao ponto de favorecê-lo com um sinal miraculoso para arrancá-lo à sua dúvida.
-Mas- objetou o sacerdote- Cristo ressuscitado disse a São Tomé: Porque me viste, crês. Felizes os que não viram e creram ( Jo 19,29).Não estive à altura dessa felicidade, dessa benção. Tive de ver para crer.
-É verdade- respondeu-lhe o bispo-. Mas qual é a fé que não dá lugar a dúvidas? Não duvidar não é crer, é saber, como quem viu.
- Mas uma dúvida como a minha, uma fraqueza tão grande!
- E quem tem força para crer? Nós só podemos esperar fielmente, na dúvida, que nos seja dada essa força. Não foi isso o que fizestes? Não pensais que é necessário muito amor para, mergulhado na dúvida, oferecer-se á fé mesmo antes de crer? Para isso, é necessário o amor mais violento e mais ansioso, como o amor que se experimenta por uma criança doente; conheceis bem esse pai que ouviu da boca de cristo que a fé era necessária para a cura do seu filho e que exclamou...
E o bispo interrompeu-se para deixar que o sacerdote citasse por si mesmo o Evangelho de São Marcos ( Mc 9, 24) e fizesse seu o grito daquele pai angustiado:
-Senhor, eu creio, mas ajuda a minha incredulidade!   
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Virgo Mariae, sedes sapientiae, ora pro nobis!


Referência:
O jogral de Nossa Senhora- contos cristãos da idade média. Quadrante. 2001.