domingo, 28 de julho de 2013

O QUE É PERDOAR

Santa Maria Madalena - representação no filme "A Paixão de Cristo (2004)"
À diferença do ressentimento produzido por certas ofensas, o perdão não é um sentimento. Perdoar não equivale a deixar de sentir. Há quem se considere incapaz de perdoar certos agravos porque não pode eliminar os seus efeitos: não pode deixar de experimentar a ferida, nem o ódio, nem o desejo de vingança. Daqui podem derivar complicações no âmbito da consciência moral, especificamente se se tem em conta que Deus espera que perdoemos para que Ele nos perdoe (cfr.  Mt 6, 12).

A incapacidade de deixar de sentir o ressentimento, no nível emocional, pode ser, efetivamente, insuperável, ao menos em curto prazo. No entanto, se se compreende que o perdão está situado num nível diferente do ressentimento, isto é, no nível da vontade, descobrir-se-á o caminho que leva à solução.


O empregado que foi despedido injustamente da empresa, o cônjuge que sofreu a infidelidade do seu consorte, os pais a quem seqüestraram um filho podem decidir perdoar – apesar do sentimento adverso que experimentam necessariamente. Porque o perdão é um ato volitivo e não um ato emocional. Entender esta diferença, entre sentir uma emoção e tomar uma decisão já é um passo importante para esclarecer o problema.


Muitas vezes na vida devemos agir no sentido inverso ao daquele que os nossos sentimentos nos marcam, e de fato o fazemos porque a nossa vontade se sobrepõe às nossas emoções (1). Por exemplo, quando sentimos desânimo por algum fracasso que tivemos na realização de uma tarefa e, ao invés de abandoná-la, nos sobrepomos e continuamos em frente até concluí-la; quando alguém implicou conosco e sentimos o impulso de agredi-lo, mas decidimos controlar-nos e ser pacientes; quando em certo momento do dia temos um acesso de preguiça e, no entanto, optamos por trabalhar. Em todos estes casos, manifesta-se a capacidade da vontade para dominar os sentimentos. O mesmo se passa quando perdoamos, apesar de emocionalmente nos sentirmos inclinados a não o fazer.


O perdão é um ato da vontade porque consiste em uma decisão. Qual é o conteúdo desta decisão? O que é que decido quando perdôo? Quando perdôo, opto por cancelar a dívida moral que o outro contraiu comigo ao ofender-me e, portanto, liberto-o enquanto devedor.


Não se trata, evidentemente, de suprimir a ofensa cometida, de eliminá-la e fazer que nunca tenha existido, porque não temos esse poder. Só Deus pode apagar a ação ofensiva e conseguir que o ofensor volte à situação em que se encontrava antes de cometê-la. Mas nós, quando perdoamos realmente, desejaríamos que o outro ficasse completamente eximido da má ação que cometeu. Por isso, “perdoar implica pedir a Deus que perdoe, pois só assim a ofensa é aniquilada” (2). [...]

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MARIA SEMPRE!


Notas:

(1) “A vontade, que pode mover o entendimento no seu exercício, pode mover também despoticamente outras potências, especialmente as motrizes: pode dar ordens aos braços e às pernas, comandar a direção do olhar, o movimento da língua, as operações das mãos... Mas não lhe foi dado mover dessa maneira os apetites, sentimentos ou moções sensíveis, os quais gozam de uma certa autonomia. Cabe à vontade, com a ajuda do entendimento, exercer um governo político, persuasivo ou de convencimento sobre as tendências sensíveis do ser humano e a isso tem de circunscrever-se: quando não as pode orientar para o bem, deve transcendê-las, passar por cima delas” (Carlos Llano, Formación de la inteligencia, la voluntad e el carácter, Trillas,México,1983. pág. 142).

(2) Leonardo Polo, Quién es el hombre?, Rialp, Madrid, 1983, pág. 140.

Livro: Do Ressentimento ao Perdão
Autor: Francisco Ugarte - Tradução de Roberto Vidal da Silva Martins
Editora: Quadrante 
Páginas: 36-38