sexta-feira, 25 de novembro de 2016

CARTA DE S. INÁCIO: A CULPA É SUA!



“Se não muda o seu homem interior, nunca agirá bem
 e em qualquer lugar será o mesmo.” 

“Ou você será bom aí, em Ferrara, ou não será bom em nenhum Colégio.” 

“Ocupe-se em ver e chorar as suas imperfeições e não as dos outros.”

O estudante jesuíta Bartolomeu Romano, morador do Colégio de Ferrara, atribuía aos outros e ao lugar onde se encontrava seu desgosto nas práticas espirituais e nos estudos, e sem dúvida desejava mudar de casa. Santo Inácio nesta carta lhe faz ver como não depende do lugar nem dos companheiros seu desgosto. Enquanto não mude seu interior, seja onde for, se encontrará descontente. Por isso o exorta a mudar de proceder, a abrir-se ao Superior e a lutar contra suas imperfeições.


CARTA AO ESTUDANTE BARTOLOMEU ROMANO
(Roma, 26 de janeiro de 1555)

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“Caríssimo irmão Bartolomeu,
Pelas suas cartas e as dos outros, mas principalmente pelas suas, entendo o seu estado. E tanto mais me desagrada quanto mais desejo o seu bem espiritual e salvação eterna.

Está muito enganado se pensa que a causa de não conseguir aquietar-se nem dar fruto no caminho do Senhor está no lugar ou nos superiores ou nos irmãos. Isso vem de dentro de você e não de fora, isto é, da sua pouca humildade, pouca obediência, pouca oração e, enfim, pouca mortificação e pouco fervor para avançar no caminho da perfeição. Pode mudar de lugar, de superiores e de irmãos: mas se não muda o seu homem interior, nunca agirá bem e em qualquer lugar será o mesmo, até que chegue a ser humilde, obediente, devoto, mortificado no seu amor-próprio. De modo que procure esta mudança e não outra. Digo que procure mudar o homem interior e dominá-lo como servo de Deus, e não pense em nenhuma mudança externa, porque ou você será bom aí, em Ferrara, ou não será bom em nenhum Colégio. E tenho certeza disto, pois me consta em Ferrara poder ser mais ajudado que em qualquer outro lugar.
Dou-lhe um conselho: que se humilhe muito de coração ao seu Superior e lhe peça ajuda abrindo-lhe o seu coração em confissão ou como quiser e tome o remédio que lhe dará. Ocupe-se em ver e chorar as suas imperfeições e não as dos outros, procure em diante dar maior edificação e não encha, por favor, a paciência daqueles que o amam em Jesus Cristo nosso Senhor e gostariam de vê-lo bom e perfeito servo do mesmo. 

Cada mês escreva duas linhas para dizer como se encontra quanto à humildade, obediência, oração e desejo de sua perfeição; e também como vai nos estudos. Cristo nosso Senhor o guarde.”


FONTE: CARDOSO, Armando. Cartas de Santo Inácio de Loyola. Vol. II. São Paulo:                             Edições Loyola, 1990; p.135-136


MARIA SEMPRE!

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

SÃO BERNARDO E OS TEMPLÁRIOS - (II)

Bernardo replicou modestamente, mas com dignidade e energia


Segue abaixo a segunda parte do trecho do trabalho  «Em louvor da Nova Milícia», dirigido aos «Soldados do Templo» e a Hugo, seu chefe. Consta de treze capítulos além de um curto prefácio.

«Os templários compreendiam quatro classes de pessoas: os cavaleiros, que formavam a cavalaria pesada; os sargentos ou cavalaria ligeira; os lavradores, a cujo cargo se achavam as temporalidades e, os capelães que atendiam as necessidade espirituais dos seus irmãos. Constituía seu singular privilégio encontrarem-se directamente sujeitos à Santa Sé e totalmente independentes de qualquer outra autoridade eclesiástica ou civil. Semelhante favor e os bens que rapidamente se acumularam nas suas mãos, juntamente com as glórias adquiridas nos campos de batalha, provocaram considerável oposição. Não obstante, a Ordem continuou a desfrutar de exemplar prosperidade até ao começo do século catorze. Neste período, governava a França Filipe, o Belo. A cupidez era o seu pecado proeminente, e dirigiu um olhar voraz para a extensa propriedade que os templários haviam conquistado com a espada ou adquirido por doação. Necessitava de apoderar-se daquelas riquezas por meios pacíficos ou à força. Alguns membros degradados foram induzidos a acusar os seus irmãos de ofensas contra a fé e moralidade, e, apoiado nesta acusação, o monarca ordenou, no mesmo dia, 13 de Outubro de 1307, a prisão de todos os cavaleiros brancos no seu reino. Não existindo provas consistentes contra eles, foram torturados para forçá-los a confessar. Alguns pereceram sob o tormento e muitos outros proclamaram-se culpados como única forma de obterem lenitivo; mais tarde retrataram as suas confissões, o que lhes valeu serem queimados vivos, em número de cinquenta e quatro, a 12 de Maio de 1310. Tudo isto, não somente sem autorização do papa Clemente V, mas apesar da sua vigorosa oposição. Por fim, o Pontífice suspendeu os poderes dos inquisidores de Filipe e abriu um inquérito que se estendeu a todos os países cristãos. Em Portugal, Espanha, Alemanha, Itália e Chipre o carácter dos cavaleiros templários foi reabilitado triunfalmente. A parte o que se pudesse dizer aqui e ali de indivíduos isolados, a Ordem foi reconhecida inocente das acusações anteriores. Foi este o veredicto do concílio geral de Viena, em 16 de Outubro de 1311, no qual a maioria dos padres votaram pela manutenção da Ordem. No entanto, Clemente, considerando que, com tanta oposição e suspeita contra ela, a Ordem dos cavaleiros brancos, apesar de inocente, não poderia continuar a ser útil à Igreja, decretou a sua 'dissolução', não como castigo, mas como medida de prudência. 

O concílio de Troyes não foi o único nesta época ilustrado pela sabedoria de Bernardo. Assistiu também, bastante contra a sua vontade, aos de Arras, Châlons, Cambrai e Laon. As fortes medidas adoptadas por estas assembleias indicam claramente a sua influência. O concílio de Arras, efectuado em Maio de 1128, ordenou a dispersão de uma comunidade religiosa que se tornara incorrigivelmente descuidada; em Châlons, () bispo de Verdun, acusado de Simonia e má administração, foi forçado a abandonar a sua sé; em Cambrai, o abade Fulbert de_ Santo Sepulcro teve de demitir-se. O povo atribuiu estas severas determinações ao abade de Claraval como se fosse ele o único responsável. Claro que o facto excitou bastante a amargura e ressentimento daqueles que haviam sido punidos pelo
São Bernardo de Claraval (1090-1153)
concílio. Foi denunciado a Roma como entremetido oficioso, homem de ideias ambiciosas, amigo de aparecer em público. Como o papa Honório se encontrava então no seu leito de morte (faleceu a 14 de Fevereiro de 1130), o Cardeal Haimeric, chanceler da Santa Sé, enviou-lhe em nome do Sagrado Colégio uma áspera censura. A carta do cardeal não chegou até nós; todavia, podemos formar uma ideia do seu conteúdo pela resposta de Bernardo. Afigura-se-nos que a comparação do abade santo com uma rã impudente (que salta do seu lodaçal para perturbar a paz do mundo com o seu rouco coaxar) não pertence, na realidade, a Haimeric, mas ao próprio Bernardo. O chanceler certamente nunca teria pensado em empregar linguagem tão violenta para se dirigir a quem tanto estimava. A prova de que estimava o abade de Claraval está bem patente nos termos utilizados para com ele numa carta a formular uma petição a favor dos monges beneditinos de São Benigno, Dijon, no ano de 1126. "Os meus amigos conhecem perfeitamente o muito que me amais, e principiarão a invejar-me a felicidade se eu tentar conservar somente para mim todo o benefício dela resultante (escreve o santo), Os monges de Dijon são-me muito queridos; agradar-me-ia lhes permitísseis ver que o amor não é vão, tanto o vosso por mim como o meu por eles, desde que, evidentemente, não brigue com os interesses da justiça, em cujo caso seria censurável pedir coisa alguma mesmo a um amigo". Fora igualmente ao chanceler que Bernardo dedicara a sua dissertação acerca do amor de Deus, de que mais adiante falaremos. Podemos, pois, inferir, pelo menos, que a carta de censura foi elaborada polidamente; a severidade do seu tom dificilmente pode ser negada, embora expressasse menos as ideias do próprio cardeal do que as dos seus irmãos. Bernardo replicou modestamente, é certo, mas com dignidade e energia __ pois não se tratava de uma defesa própria, mas de justificar os actos de concílios provincianos, alguns dos quais haviam sido presididos pelo Cardeal Legado Mateus. 

"O quê? (exclama). Até os pobres e desprotegidos deverão encontrar oposição para salvaguarda da verdade? Nem na própria miséria haverá refúgio da inveja? Deverei lamentar-me ou alegrar-me, visto eu próprio haver conseguido inimigos ao pronunciar a verdade? Deverei dizer: falo verdade ou procedo de acordo com a verdade? Isto por vós deverá ser decidido: quem contra a prescrição da lei amaldiçoara o surdo (Lav., 19, 14) e, apesar do conselho do profeta, chamará mal ao bem e bem ao mal (Is., 5, 20)".

A Ordem desfrutou de prosperidade
 até ao começo do século XIV.
A seguir expõe as faltas de que é acusado: a deposição do bispo de Verdun, a deposição do abade Fulbert e a supressão do convento de São João. Não considera que haja merecido censura por estes actos, e isto por dois motivos: em primeiro lugar, porque os actos em questão, longe de serem culpáveis, merecem antes louvor; em segundo, porque não eram de sua autoria. "Se são meus, mereci elogios; se não o são, não mereci censuras... A recriminação imerecida preocupa-me pouco, e os louvores que não me são devidos, recuso-me a aceita-los. Não produz em mim a menor diferença a forma como julgais essas medidas das quais não Sou o autor. Por uma delas (a deposição do bispo), o povo poderá louvar, se desejar, ou censurar, se se atrever, o cardeal legado; por outra (o afastamento de Fulbert), o bispo de Reims; e pela terceira (a supressão do convento), o arcebispo de Seus juntamente com o bispo de Laon e o rei, além de outras numerosas pessoas veneráveis, que não repudiarão a responsabilidade do que foi feito... A única acusação contra mim será haver estado presente, em vez de permanecer na obscuridade do meu lar onde eu podia ser juiz, acusador e árbitro apenas para mim próprio? Não nego haver presenciado esses concílios, mas compareci sob compulsão e não de livre vontade. Se o facto desagradou aos meus amigos, foi igualmente desagradável para mim. Deus não tivesse permitido que eu seguisse para lá! Deus não permita que eu volte lá novamente! Detesto intervir em assuntos que não me dizem directamente respeito. Mas, não obstante isto, sou arrastado para eles. Meu querido senhor cardeal, não existe outra pessoa da qual eu possa razoavelmente esperar libertação desta tirania além de vós. Tendes o poder, como eu sempre soube, e a boa vontade, como ultimamente descobri. Regozija_me saber que estais desgostado com a minha intervenção em assuntos que não pertencem a monges. Mostrais aqui a vossa prudência e, igualmente, amizade por mim. Providenciai, pois, para que tanto a vossa vontade como a minha fiquem satisfeitas. Proibi que, de futuro, estas ruidosas e incomodativas rãs saiam dos seus lodaçais. Que o seu coaxar jamais torne a ser escutado nas salas de concílios ou nos palácios de reis. Que nenhuma necessidade ou autoridade tenha poder para determinar a sua interferência em contendas ou assuntos públicos de qualquer natureza. Talvez assim o vosso amigo escape à acusação de presumido. No entanto, ignoro como me posso haver exposto a ela, pois sempre constituiu minha determinação nunca abandonar o convento, excepto por assuntos da Ordem ou por solicitação de um legado da Santa se ou do meu diocesano, a nenhum dos quais posso em consciência desobedecer, a não ser por privilégio de uma autoridade superior. Se vossa eminência se dignar obter para mim esse privilégio, então desfrutarei indubitavelmente, de paz e deixarei os outros tranquilos».


Fonte:
LUDDY, Ailbe J. Bernardo de Claraval. Lisboa: Editorial Aster, 1953, p.168-171.

Primeira parte aqui.



MARIA SEMPRE!